Silêncio conivente

Compartilhe nas redes sociais

Facebook
WhatsApp
Twitter
Telegram

Como integrante do Observatório da Comunicação Religiosa no Brasil, eu o convido a refletir sobre o silêncio, como forma de comunicação.

Nestes dias em que celebramos o mistério pascal de Jesus Cristo, incluindo sua vida e seu anúncio do Reino de Deus; sua paixão, morte e ressurreição; vimos publicado nas redes sociais, várias vezes, que Jesus, pregado na cruz, fez a maior declaração de amor da história, em silêncio. Sabemos que Jesus foi brutalmente assassinado, por gente poderosa da religião, da política, da riqueza, em meio a uma grande gritaria do povo, aprovando o crime.

Proponho a você pensar sobre o silêncio, lembrando a tradição das monjas e monges cartuxos, ao ensinarem que, sem fazer silêncio não se pode entender o Senhor que fala. Fazer silêncio sem escutar e entender o que o Senhor fala é praticar um silêncio estéril e perigoso.

Um místico contemporâneo, chamado Thomas Merton, disse que nada mudou tanto a natureza humana, quanto a perda do silêncio; que o silêncio varre a cortina de fumaça composta de muitas palavras que usamos; que o silêncio nos coloca diante da realidade crua e nos ensina a conhecê-la, respeitando-a lá onde as palavras a profanaram; que o silêncio se relaciona com o amor, porque ele nos liberta e nos torna repletos de oração.

Todavia, silêncio e palavra se necessitam mutuamente. O silêncio valoriza e torna potente a palavra. A palavra nasce do silêncio e o pede, tão logo seja pronunciada. A alternância entre palavra e silêncio é uma forma universal de comunicação.

Não podemos ficar no silêncio, tampouco, na palavra. Foi atribuída a Clarice Lispector a afirmação de que “não se guarda as palavras, ou você as fala, as escreve ou elas lhe sufocam”, e sufocam a profecia, o anúncio, a denúncia, a verdade, a justiça, a solidariedade, a paz, o Evangelho, as instituições que existem para serem sinais do Reino de Deus no mundo.

Em nosso país, com riqueza mais que suficiente para acabar com a desigualdade, onde o cristianismo existe, pacificamente, em meio a injustiças que provocam miséria e fome; ferem de morte a dignidade de milhões de pessoas, o silêncio só faz sentido, se impulsionar a palavra. É preciso falar, ainda que muitos revidem; é preciso dizer com clareza, ainda que muitos prefiram as trevas e o caos; é preciso proclamar, ainda que os aprisionados em sua falta de consciência difamem, maltratem, caluniem, mintam; é preciso, em alto e bom tom, defender os grandes valores ensinados por Jesus em seu Evangelho.

Se assim não for, o conveniente silêncio torna coniventes os que se acham pessoas e instituições sábias, e jamais se poderá dizer delas que fizeram uma “declaração de amor”, como fez Jesus, no silêncio, no alto da cruz.

Publicações recentes